Você é uma fera adormecida?
O equilíbrio esperado diante dos enigmas da vida é a relação que todo o ser humano precisa conhecer a fim de que as ocorrências intemperes da vida sejam de algum modo previstas e esperadas, já que o mero existir já coloca o homem em uma condição de desconforto e inquietude.
Quando essa relação (equilíbrio x enigmas da vida) entra num desajuste, um dos primeiros sentimentos que temos é a raiva. Sim, raiva de não ter, de não ser, de não ter podido, de ter recebido um “não”… E normalmente a sentimos sob um viés negativo, como algo que utilizamos como ruim, algo que guardamos em nossa sombra.
Ao acumularmos esse sentimento de raiva e não canalizarmos para algo que possa ser construído, tendemos a entrar, como um colapso, num estado de ira. A ira é uma raiva extrapolada. É uma raiva que foi regularmente reprimida. Impedida de ter sido expressa quando ela fazia ao menos um pouco de sentido. A ira é um complexo de raivas com potencial de fazer acordar até a pessoa mais calma que existe, ou por que não dizer, uma fera adormecida.
No entanto, a raiva é algo inerente ao ser humano. Não foi adquirida. Ela foi construída, assim como foram o amor, o ódio, a bondade, a mansidão, a inveja. A raiva é um sentimento arcaico de defesa, onde uma energia de autopreservação era necessária quando uma ameaça batia a porta. A raiva altera o homem num ponto em que até suas estruturas psíquicas, emocionais e fisiológicas sofrem modificações que ficam a serviço dessa defesa contra a ameaça.
Mas nós estamos falando do homem das cavernas, do homem que se defendia de animais selvagens enquanto os caçava para subsistir. E se isso é relativo ao homem antigo, por que há ainda tanta raiva reprimida e consequentemente ira? Isso só se justificaria se o homem atual estiver ainda sob constantes ameaças, o que, guardadas as devidas proporções, isso não pode ser negado.
Muitas pessoas escondem a raiva quando criança por ouvirem dizer que sentir isso não é bonito. A criança, em vez de aprender a lidar com seus sentimentos e suas consequências, condiciona-se a negá-los, a reprimi-los e a esquecê-los. Todavia, aquilo que reprimimos e negamos não são descartados para fora da gente, muito pelo contrário, são acondicionados em locais não apropriados e de maneira desarmônica. E que por termos perdido a consciência da existência deles em nós, eles tomam como se fosse um rumo próprio e só percebemos que eles estão na gente quando começamos a enxergar nossos excessos em comportamento e as conversões em nosso corpo. E são inúmeras as somatizações: úlcera, febre (sangue fervendo), enxaqueca.
A questão toda fica em torno do que se fazer com esta raiva. Como ela se manifesta. Quando se reconhece e se discerne como alguém que sente raiva e se ira, pode-se saber seus limites; quando se observa seus sintomas, pode-se associar que alguma raiva está sendo reprimida agora; quando se perde o equilíbrio diante de uma crise, pode-se identificar que aspectos da vida tiram a gente do foco. Quando o homem se reconhece assim, como um todo, passa novamente a ter direito a novas escolhas e direcionar estas energias para situações que realmente exigem dele suas condições naturais de defesa.
Pensei nisso.
Filipe Freitas