Por que os limites são tão importantes para a criança?

Crianças que conhecem seus limites tendem a respeitar melhor os próprios limites e a individualidade dos outros. É uma questão de sanidade.

Por Filipe Freitas –

O bebê, durante a gravidez, tem como única referência o útero de sua mãe. É referência e o limite. Dependendo do momento da gestação, sair dali é perecer; ficar ali também. O cheiro, as vozes externas, o estado infinito de saciamento, sem necessidades, fantasias. Esse bebê já possui ideias rudimentares sobre o que ele é. Na verdade, ele e a mãe são um só.

Há um momento em que esse paraíso tem um fim. O tempo de gestação finda, o útero não oferece mais tudo o que o bebê precisa. Ou ele perece ou ele ultrapassa esse limite para iniciar um novo ciclo, o da vida.

Ao nascer, tudo é diferente, tudo é muito amplo, muito grande, muito extenso. A sensação é de estar sem contorno, sem forma… vazio. São os braços da mãe, os seios com leite quente e nutritivo, e o seu olhar que dão a esse bebê novas referências e novos limites entre seu próprio corpo e o mundo externo. Essa relação com a mãe é de natureza simbiótica, é como se fossem um só, e necessária como transição para este ser que há pouco tempo vivia num útero e agora chega ao mundo.

Mas assim como foi necessária a saída da vida intrauterina, a vida simbiótica também precisa ser deixada. Essa mãe tinha uma vida antes e deseja voltar a ter. Quando essa mãe retoma gradativamente as suas atividades habituais, esse bebê, de mesmo modo, tem a possibilidade de experimentar a frustração do fim da onipresença da mãe. Essa mãe que estava sempre ali, agora está na cozinha, tomando banho, trabalhando ou dando atenção ao cônjuge ou outro filho.

Saber que nem tudo está a sua disposição é um novo limite, uma nova referência de que ele é um ser a parte dessa mãe. As exigências do mundo, representadas até aqui como a presença do pai e dos irmãos, dão a esse bebê a ideia de que ele precisa crescer, como um treinamento para o futuro.

Esse bebê, então, começa a se relacionar com mais pessoas, não só pai, mãe e irmãos, como primos, vizinhos e colegas de creche. A ideia de que o outro possui direitos e de que ele não pode ter tudo é fundamental para que essa criança conviva harmonicamente em sociedade. É um indivíduo que respeitará sua família, as pessoas, as regras de convivência, as leis, as autoridades, seu chefe e sua descendência.

Agora, voltemos ao período simbiótico. Pense numa mãe que faz de tudo para que esse bebê não sinta a sua ausência. Que não sente sede e fome, pois antes que isso ocorra ela já é suprida. Que não vive a restrição, a escassez e os impedimentos. Uma criança para quem o pai compra tudo, a quem os irmãos sempre têm que ceder, que não fica um dia sem receber elogios. O pai briga com amiguinho, a mãe briga com a professora e a criança deseja cada vez mais suas satisfações. Elas são ilimitadas.

Quando se torna um adolescente, começam os primeiros grandes problemas. O colega tem suas próprias demandas, a namorada termina, o professor é mais rígido. Quando adulto, o chefe cobra, a lei é dura, os pais falecem. E esse indivíduo ainda está lá na simbiose, aguardando ser suprido, elogiado e compreendido.

A vida fica insuportável. O mundo não o compreende.

Acostumou-se a ganhar sempre, agora o outro joga sério.

Ou aprende a ser independente ou entrará na psicose para onde sempre foi treinado.

Pense nisso.

Filipe Freitas

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